RESUMO: Os atletas profissionais do futebol são trabalhadores regidos de forma subsidiária pelo direito do trabalho e seus princípios, na medida em que o contrato especial de trabalho desportivo é regido por lei especial (Lei nº 9615/1998 – Lei Pelé). Em razão disso, este estudo visa dar uma opinião sobre a duração da jornada de trabalho dos atletas profissionais e, consequentemente, das pessoas envolvidas no dia-a-dia dos mesmos, como técnico, treinadores, preparadores, ou seja, os integrantes da comissão técnica e os profissionais de saúde. Analisa também, a participação dos atletas no direito de arena e de imagem.
DA DURAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO DO ATLETA DE FUTEBOL
A duração da jornada de trabalho é tema de grande relevância não só para os estudiosos do direito, mas para todos os personagens que estão envolvidos com um trabalho sob regime de emprego.
Portanto, para as Entidades de Prática Desportiva e os atletas profissionais contratados como empregados, o tema pode ser visto, a princípio, como de extrema simplicidade, pois na medida em que se estabelece uma relação de emprego, automaticamente estarão delineadas as regras a que estarão sujeitos os personagens.
A Doutrina e Jurisprudência entendem que a limitação da jornada de trabalho, bem como a previsão de períodos para descanso, inserem-se na ordem dos direitos chamados fundamentais, visando à preservação da higidez física e até mesmo da dignidade da pessoa humana no âmbito da relação de trabalho.
Por isso, a Constituição Federal de 1988 fixou em seu art. 7º, inciso XIII que a duração do trabalho normal não deverá ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
No mesmo sentido estabelece a CLT, que em seu Capítulo II, artigos 57 a 74, trata da jornada de trabalho, dos períodos de descanso, do trabalho noturno e do quadro de horário.
No caso da relação estabelecida entre as entidades de prática desportiva e seus atletas, indispensável e necessária a análise da lei especial (Lei nº 9615/1998 – Lei Pelé), que instituiu normas gerais sobre desporto e deu outras providências.
Na medida em que o legislador elaborou lei especifica para tratar do desporto, e consequentemente, dos atletas de futebol profissional, que possuem um contrato de trabalho absolutamente diferenciado (contrato especial de trabalho desportivo), a legislação ordinária (CLT) se aplica tão somente de forma subsidiária, não podendo, por isso, se sobrepor à lei especial.
A lei nº 9615/1998 – Lei Pelé, no seu artigo 28, § 4º, estabelece que:
“§ 4º – Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente as seguintes:
I – se conveniente à entidade de prática desportiva, a concentração não poderá ser superior a 3 (três) dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede;
II – o prazo de concentração poderá ser ampliado, independentemente de qualquer pagamento adicional, quando o atleta estiver à disposição da entidade de administração do desporto;
III – acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, conforme previsão contratual;
IV – repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas, preferentemente em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada no final de semana;
V – férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias, acrescidas do abono de férias, coincidentes com o recesso das atividades desportivas;
VI – jornada de trabalho desportiva normal de 44 (quarenta e quatro) horas semanais. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 12.395, de 16.03.2011, DOU 17.03.2011)
(…)”
Portanto, no caso de atleta de futebol profissional, em razão de diversas peculiaridades presentes em sua relação jurídica, abrem-se diversas lacunas, que dificultam a fixação da duração da jornada específica de trabalho. Afinal, a relação mantida entre as partes (entidades de prática desportiva e atletas profissionais), é absolutamente peculiar, e não se iguala, evidentemente, à relação mantida entre empregado urbano ou rural e seu empregador.
Por conta da previsão constitucional e legal (CLT e Lei nº 9615/1998), não haveria como deixar de reconhecer que as disposições gerais, relativas à duração da jornada de trabalho, seriam aplicáveis ao atleta profissional. Mas, como já dito, o são, de forma subsidiária.
Lembrando que algumas situações específicas, e presentes na relação de trabalho do atleta profissional, merecem aprofundamento no estudo.
Inicialmente, observa-se que a Lei Pelé não limita a quantidade de horas trabalhadas no dia, fixando a duração da jornada de trabalho em 44 horas semanais (art. 28, § 4º, VI da Lei 9615/98). Portanto, não haveria que se cogitar, de plano, de qualquer jornada extraordinária após a oitava hora diária, mas tão somente após a quadragésima quarta, resguardado o direito ao descanso semanal.
Ou seja, o atleta, por força do contido na lei especial, estaria, a princípio, sujeito a uma jornada semanal de quarenta e quatro horas.
Vale lembrar que a Lei nº 6354/1976, estabelecia no seu art. 6º que:
“O horário normal de trabalho será organizado de maneira a bem servir ao adestramento e à exibição do atleta, não excedendo, porém, de 48 (quarenta e oito) horas semanais, tempo em que o empregador poderá exigir que fique o atleta à sua disposição”
E a Constituição Federal de 1988, estabelece que a jornada máxima diária do trabalhador seria de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.
Mas, por força dos artigos 93 e 96 da Lei nº 9.615/98, referido artigo vigorou até 25 de março de 2001, restando expressamente revogado a partir de então.
Assim, por conta da revogação do art. 6º da Lei 6354/1976, surgiu, inevitavelmente, a indagação: Estariam ou não os atletas sujeitos ao labor sem qualquer limite diário ou semanal?
A partir daí, duas correntes surgiram. Sendo que a primeira entende pela inaplicabilidade da limitação constitucional aos atletas profissionais de futebol, e a segunda, que entende pela necessidade de observância dos limites diário e semanal inscritos na Carta Magna.
Na primeira corrente está Alice Monteiro de Barros, que assim argumenta:
“Embora a Constituição de 1988 assegure aos empregados urbanos e rurais jornada de 8 horas, dadas as peculiaridades que envolvem a função do atleta, entendemos que as normas a respeito de limitação de horas semanais, a partir de 26 de março de 2001, não mais serão aplicadas ao profissional do futebol.
O tratamento diferenciado a respeito das relações trabalhistas comuns se justifica em face da natureza especial dessa prestação de serviços, que consiste em uma peculiar distribuição da jornada entre partidas, treinos e excursões. Há relativamente ao atleta, nesse particular, um campo aberto que reclama atuação das normas coletivas.
(BARROS, Alice Monteiro de – Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidos e tendências. 3a ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 126.)
Já a segunda corrente, da qual Domingos Sávio Zainaghi faz parte, assegura que:
“A norma constitucional só não se aplica às relações de trabalho doméstico, pois o parágrafo único do art. 7o não estendeu a esses empregados a limitação do inciso XIII.”
Entende Zainaghi que os atletas profissionais de futebol, e de qualquer outra modalidade, teriam a jornada limitada a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.
Pois bem, para nos posicionarmos, cabe observar que a Lei nº 9615/1998 contempla o pagamento de acréscimo remuneratório em razão de concentração, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, conforme previsão contratual (art. 28, § 4º, III da Lei 9.615/98).
Ou seja, a remuneração do atleta deverá ser pactuada em contrato especial de trabalho desportivo firmado com a entidade de prática desportiva, e este contrato deve, por força do contido no art. 28, § 4º, III, prever os acréscimos remuneratórios que fará jus o atleta.
Assim, necessário, de plano, verificar se os períodos de permanência em concentração, a participação nos jogos e treinos deverão ser computados na jornada de trabalho do atleta profissional.
Já vimos que o art. 28, § 4º, I e II, da Lei nº 9615/1998 estabelece que a concentração não poderá ser superior a três dias e que esse prazo poderá ser ampliado, gize-se, independentemente de qualquer pagamento adicional, quando o atleta estiver à disposição da entidade do desporto.
A Doutrina tem se inclinado no sentido de que o período de concentração não gera direito à horas extras, vejamos:
“Na medida em que a lei desportiva passou a contemplar o pagamento de acréscimos remuneratórios em razão dos períodos de concentração, logo, não há que se falar em pagamento de horas extras neste período.
Em razão de sua natureza, o período de concentração é obrigação contratual e não integra a jornada de trabalho para fins de pagamento de horas extraordinárias, desde que observado o limite de três dias.
(…)”
CONCLUSÃO
a) O período de concentração é obrigação contratual e não integra a jornada de trabalho para fins de pagamento de horas extraordinárias, desde que observado o limite de 3 dias;
b) No cômputo do limite semanal serão incluídos todos os períodos de trabalho ou à disposição do empregador, exceto aqueles previstos no inciso III do parágrafo 4º do artigo 28 da Lei 9.615/98, aí inserido o período de concentração;
c) O período de concentração poderá gerar direito à acréscimos remuneratórios, desde que previstos contratualmente, ou por força de norma coletiva;
d) Não havendo pactuação específica, nem efetivo pagamento de acréscimos remuneratórios, o salário básico ajustado com o clube, abrangerá os serviços prestados e os períodos de concentração, viagens, pré-temporadas e participação do atleta em partida.”(Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga, in Revista Consultor Jurídico, 20/08/2014)
Domingos Sávio Zainaghi sobre o tema, entende que:
“O período de concentração representa uma caracterização especial do contrato do atleta e que, por isso, não deve gerar direito à percepção de horas extras.”
(ZAINAGHI, Domingos Sávio. Os atletas profissionais de futebol no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 92.)
E em outra obra, complementa Zainaghi:
“Face às peculiaridades da profissão de atleta de futebol e pelo fato de a concentração ter sido deliberadamente excluída pelo legislador do art. 6º da Lei nº 6.354/1976, conclui-se que não é computada como jornada suplementar as horas em que o empregado estiver concentrado. Até porque aqui caberia uma pergunta: estando dormindo, o atleta estaria recebendo como horas extras o período de sono?”
(ZAINAGHI, Domingos Sávio. Nova legislação desportiva: aspectos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2001. p. 79.)
Da mesma forma entende Fábio Menezes de Sá Filho:
“A concentração, regra geral, não é computada na jornada de trabalho, visto que ela visa, principalmente, a controlar o físico e a alimentação; e evitar o doping involuntário do atleta, pela ingestão de drogas, sem a devida supervisão dos funcionários competentes do clube. É um meio que o empregador tem de preservar a saúde de seus trabalhadores.”
(SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo. São Paulo: LTr, 2010, p. 81.)
E é assim também que Alice Monteiro de Barros define:
“… a concentração não pode ser equiparada ao tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador, trabalhando ou executando ordens (art. 4º da CLT). A concentração é um costume peculiar ao atleta e visa resguardá-lo para a obtenção de melhor rendimento na competição. Nesta oportunidade, o empregador poderá exigir que o atleta alimente-se adequadamente, observe as horas de sono, abstenha-se de ingerir bebidas alcoólicas e treine. Não vemos como equiparar a concentração ao tempo à disposição para fins de horas extras, sequer para efeito de prontidão ou sobreaviso, pois se a razão jurídica das normas que ensejaram tais direitos não é a mesma, igual não poderá ser a solução.”
(in Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho – Peculiaridade, Aspectos Controvertidos e Tendências, LTr, novembro/2001, p. 74-75).
A Jurisprudência, da mesma sorte que a Doutrina, assim tem se posicionado:
“ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. PERÍODO DE CONCENTRAÇÃO. HORAS EXTRAS. Tratando-se de especial característica do trabalho do atleta profissional, o período de concentração de que trata o art. 7-, da Lei n. 6.354/76, não gera o direito a horas extras, já que não se equipara ao tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens. Tem a finalidade precípua de resguardar o jogador de futebol, propiciando-lhe melhor condição física e psicológica, já que o empregador tem maiores condições de controlar o período de sono, ingestão de bebida alcoólica, atividades de treino, dentre outras, de forma a poder exigir melhor rendimento durante a competição.”
(TRT-1 – RO: 3359720115010028 RJ, Relator: Edith Maria Correa Tourinho, Data de Julgamento: 15/01/2013, 8ª Turma, Data de Publicação: 2013-01-24)
“HORAS EXTRAS – JOGADOR DE FUTEBOL – CONCENTRAÇÃO E VIAGENS PARA A DISPUTA DE JOGOS – LEGISLAÇÃO ESPECIAL – ATIVIDADES NORMAIS E PREPARATÓRIAS DO ATLETA – INDEVIDAS – O contrato de trabalho de atleta profissional do futebol traduz relação de emprego com peculiaridades próprias a torna diversa da relação ordinária trabalhista, atraindo a aplicação da legislação especial, de modo que a concentração e as viagens para disputa de jogos são enquadradas como atividades normais e preparatórias do atleta, não comportando o pagamento de horas extras. (…).”
(TRT 15ª R. – RO 000121-86.2011.5.15.0135 – (14708/15) – 4ª C. – Relª Rita de Cássia Penkal Bernardino de Souza – DJe 30.03.2015 – p. 397)
Isto posto, e ao contrário dos que sustentam que o art. 4º da CLT se aplica aos atletas profissionais, entendo que não. Ao menos no que diz respeito ao período de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, em razão do contido no art. 28, § 4º, incisos I, II e III. E por isso, não seriam devidas horas extras ao atleta, diante das peculiaridades do contrato de trabalho desportivo, desde que assim esteja previsto no contrato.
Aqui é importante destacar que a parte final do artigo em tela estabelece que: “salvo disposição especial expressamente consignada.”. Ora, é exatamente isso o que ocorre no caso de contrato especial de trabalho desportivo, pois existem disposições na Lei nº 9.6015 que estabelecem regramento próprio, em observância às peculiaridades profissionais, pois, o § 4º do art. 28 da mesma lei diz que se aplicam ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, mas deixa expresso na sua parte final “ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente as seguintes: …”, e essas peculiaridades estão inseridas nos incisos I a VI, supra transcritos. Portanto, subsidiária a sua aplicação.
Ultrapassada essa questão, cabe ainda analisarmos outras peculiaridades do contrato de trabalho desportivo.
Da leitura do art. 34, II, da Lei nº 9.615/1998, observa-se que a entidade de prática desportiva empregadora tem o dever de “Proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais”. Ou seja, as entidades de prática desportiva devem dar condições para que seus atletas estejam sempre aptos a participar de competições desportivas e por isso, desenvolvem treinamentos e diversas atividades para permitir com que o atleta se apresente bem.
Todos sabem que a participação nas competições é uma verdadeira vitrine para os atletas. Pois, na medida em que participam dos jogos, serão vistos por milhares de pessoas ao vivo e um sem número (milhões) de pessoas, gize-se, em todo o mundo, em razão da transmissão dos jogos pela televisão.
Por isso, da mesma sorte que o art. 34, II, obriga a entidade de prática desportiva a “proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais”, o art. 35, I, ambos da lei especial, estabelece que é dever do atleta profissional “participar dos jogos, treinos, estágios e outras sessões preparatórias de competições com a aplicação e dedicação correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas”. Ou seja, tratam-se de deveres e obrigações recíprocas.
Portanto, se há mútuo interesse, por que deveria ser controlada ou registrada, de qualquer forma, a jornada desenvolvida pelo atleta nessas condições?
A participação do atleta nos treinos, estágios, sessões preparatórias e jogos, data venia, é imprescindível para se manter bem, e assim, melhor se colocar no mercado de trabalho.
Ou seja, não pode ser visto como um dever, mas sim, como uma necessidade do próprio atleta, pois quanto mais se dedicar, respeitando-se suas condições físicas e psicológicas, aos treinos, estágios e quaisquer outras atividades, melhor preparado estará para demonstrar seu talento nas partidas que disputar.
Portanto, surge dúvida, a meu ver, de que os períodos de participação em jogos e treinos devam integrar a duração do trabalho do atleta profissional. Aqui, desde já é bom frisar que a participação nos jogos é o único objetivo, o fim maior do atleta profissional.
Ora, jogador que não participa dos treinos, e consequentemente não participa dos jogos, não terá condições de se bem colocar no mercado de trabalho, consequentemente, realizar uma boa negociação futura.
E aqui vale lembrar que ao contrário da imensa maioria dos empregados, os atletas profissionais de futebol celebram contratos de trabalho, obrigatoriamente, prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses e nem superior a cinco anos (art. 30, da Lei 9615/98). Mas a prática tem demonstrado que os contratos são celebrados com prazo não superior a um ou dois anos. Portanto, o atleta terá condições de negociar seu passe por diversas vezes ao longo de sua carreira. Por isso, é interesse do atleta se destacar nas competições, para poder estabelecer melhores bases em sua próxima negociação contratual.
Sendo assim, a participação dos atletas nos treinos e jogos deve ser vista de uma forma diferenciada, e condizente com os interesses tanto da entidade de prática desportiva como do atleta. Até porque, não interessa a qualquer deles a mera possibilidade de um desgaste físico e emocional que impeça a conquista de seus objetivos. Jogador cansado não produz em campo. Mas jogador sem treino, não estará bem preparado para os jogos.
Quanto à participação nos jogos, não podemos deixar de lembrar que o art. 42 da lei especial (Lei Pelé) estabelece que pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, e que parte desse valor é destinada aos atletas que participam do jogo, segundo estabelece o seu § 1º, vejamos:
“§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.”
Ou seja, os atletas que participarem do espetáculo receberão frutos (valores) de acordo com a negociação realizada pela entidade de prática desportiva. Portanto, estarão sendo remunerados com valores, pode-se dizer, extraordinários. Portanto, óbvio que quanto melhor se apresentem os atletas, melhor poderá a entidade de prática desportiva negociar a exposição audiovisual dos mesmos.
Aqui vale lembrar que a Turner (Esporte Interativo), responsável pela transmissão da Champions League, de olho nos jogos do Brasileirão, está negociando com Santos, Fluminense, Grêmio, Internacional, Coritiba, AtléticoPR e Bahia a transmissão dos jogos pela televisão fechada (Esporte Interativo) e tem provisionado, segundo informa, cerca de R$600 milhões de reais para serem divididos entre os vinte clubes da Série A, pelas temporadas de 2019 a 2024.
A Globo, detentora dos direitos de transmissão dos jogos pela TV aberta e payper-view até 2018, segundo informações de sua direção, foram gastos, somente no ano de 2015, R$1,1 bilhão de reais.
Os valores são bastante expressivos, e na medida em que os atletas melhor se apresentem, a procura para ver o espetáculo aumenta, gerando maior visibilidade e consequentemente, maior valorização de seus passes.
É importante deixar claro que não se está a dizer que os atletas poderão ser submetidos a extensa e despropositada rotina de treinamentos e jogos. Porque, como já dito, não interessa às partes (entidade de prática desportiva e atleta) a ocorrência de fadiga decorrente de qualquer excesso. E isso deve ser analisado caso a caso.
O que se pretende, é que se estabeleça um critério diferenciado de tratamento no caso de atletas profissionais, porque assim estabelece a lei especial (Lei Pelé). A mesma diz que a duração da jornada de trabalho desportiva normal é de quarenta e quatro horas semanais. Perfeito! Mas retira, por força do contido no art. 28, § 4º, I, II e III, a possibilidade de paga de horas extras nos períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, pois o inciso III cogita para tanto, de acréscimos remuneratórios, conforme previsão contratual.
Neste particular, importante frisar que nos preceitos gerais do Direito do Trabalho, de aplicação subsidiária, existem duas situações nas quais não se aplica o regime de horas extras: aos empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho e aos gerentes, assim considerados os exercentes de cargo de gestão.
Pois bem, os profissionais de futebol, se enquadram no primeiro grupo mencionado, eis que embora não exerçam atividade externa, realizam atividades incompatíveis com a fixação de horário de trabalho, ficando a mercê de diversos fatores que dependem de acontecimentos futuros, como a classificação do time para a próxima fase de uma competição e a definição da tabela do campeonato por parte das Federações, Confederação e das Ligas.
Assim, na medida em que houver previsão contratual a respeito, não se pode pretender a paga de horas extras em razão de o atleta estar cumprindo o avençado em contrato, nos estritos termos da lei especial (Lei Pelé).
DA COMISSÃO TÉCNICA E ÁREA DE SAÚDE
Para que o atleta e a entidade de prática desportiva possa bem atender aos preceitos legais, mormente os previstos nos arts. 34, II e 35, I, da Lei Pelé, imprescindível o acompanhamento pela comissão/equipe técnica e componentes da área de saúde, que, inclusive, são os responsáveis pelo programa dos trabalhos.
Alguns intérpretes do direito entendem que o treinador de futebol é regido por legislação própria, a Lei 8.650, de 20 de abril de 1993, que determina a aplicação dos dispositivos trabalhistas, em caso de lacuna. Mas, a partir do momento em que à Lei nº 9615/1998, foi acrescentado o art. 90-E pela Lei nº 12.395/2011, estabelecendo que:
“O disposto no § 4º do art. 28 quando houver vínculo empregatício aplica-se aos integrantes da comissão técnica e da área de saúde. (Artigo acrescentado pela Lei nº 12.395, de 16.03.2011, DOU 17.03.2011)”
Portanto, não resta mínima dúvida de que o contido no § 4º, do art. 28, da Lei nº 9615/1998, por força da Lei nº 12.395/2001, que instituiu normas gerais sobre o desposto, acrescentando, repita-se, o art. 90-E na lei especial, se aplica a todos os profissionais integrantes da comissão técnica e de saúde, incluindo, por óbvio, os treinadores.
E isso, porque as questões afetas ao desporto são reguladas pela lei especial, e sendo a comissão/equipe técnica e de saúde que definem como e quando ocorrerão os treinamentos, estágios, seções preparatórias das competições, tem-se que o mesmo tratamento dado aos atletas, deve, por força das suas atividades, ser estendida aos membros da comissão técnica e da área da saúde.
No caso a norma teve o escopo de estender, para os integrantes da comissão técnica e da área da saúde, gize-se, partícipes do espetáculo futebolístico, as normas mais importantes aplicáveis a seu maior protagonista, o atleta profissional de futebol, fonte de quase todas as preocupações de nossa lex sportiva.
Os treinadores, preparadores físicos, demais auxiliares e os profissionais da área da saúde, por força do contrato, devem acompanhar o dia-a-dia do atleta, mormente o período de concentração, viagens, pré-temporada e participação em partidas, provas ou equivalente.
Da mesma sorte que à comissão técnica, aos profissionais da área de saúde (médicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, massagistas e outros), quando contratados como empregados, se aplica o § 4º, do art. 28 da lei especial (Lei º 9.615/1998 – Lei Pelé).
Portanto, na medida em que é imprescindível a participação de muitos desses profissionais, desde a contratação do atleta, gize-se, em todas as atividades que envolvam os treinamentos, preparação e participação dos jogos, o mesmo tratamento dado ao atleta, deve ser estendido a eles.
Ora, se os atletas não têm direito a essa paga no período, por óbvio que os integrantes da comissão técnica e da área da saúde, não poderiam ter um tratamento diferenciado. Sob pena de inviabilizar, por completo, os trabalhos para permitir aos atletas condições de jogo.
Nessa esteira trilhou o legislativo, que observando a lacuna da lei e a necessidade de seu aperfeiçoamento, acrescentou o art. 90-E na lei especial (Lei nº 9.615/1998 – Lei Pelé)
Portanto, diante do previsto na lei especial e das circunstâncias especiais do trabalho desenvolvido, que se integram ao contrato de trabalho, tem-se que a participação de membros da comissão técnica e da área da saúde em eventual processo de concentração, viagens, pré-temporada e participação em partidas, provas ou equivalente é tarefa inerente às suas funções, e por isso, não seriam devidas quaisquer horas extras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, entendo que na medida em que o legislador elaborou lei especial para tratar do desporto, por conta da existência de um contrato especial de trabalho desportivo, a legislação ordinária (CLT) se aplica tão somente de forma subsidiária, não podendo, por isso, se sobrepor à lei especial.
E, diante do contido no § 4º, do art. 28, incisos I, II e III, da lei especial (nº 9.615/1998 – Lei Pelé), de plano podemos afirmar que, no que diz respeito ao período de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, não seriam devidas horas extras ao atleta, diante das peculiaridades do contrato de trabalho desportivo, desde que assim esteja previsto no contrato.
A participação nos jogos, como vimos, é o fim maior do próprio atleta. Pois será nos jogos que ele poderá se apresentar ao mundo do futebol.
Por fim, na medida em que à lei especial (Lei nº 9.615/1998 – Lei Pelé) foi acrescentado o art. 90-E, que estabelece que o disposto no § 4º do art. 28, quando houver vínculo empregatício, aplica-se aos integrantes da comissão técnica e da área de saúde, o mesmo tratamento dispensado a eles, não fazendo jus a qualquer hora extra, ao menos no período de concentração, viagens, pré- temporada e participação em partidas, provas ou equivalente.
LUIZ ANTONIO ABAGGE, advogado e membro da Academia Nacional de Direito Desportivo.