O enquadramento do grau de insalubridade via norma coletiva e o Tema 1.046 do STF

Em abril de 2023, o Supremo Tribunal Federal publicou decisão importante em matéria de Direito do Trabalho, reconhecendo a validade de Acordos e Convenções Coletivas que flexibilizam direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, desde que não se tratem de direitos absolutamente indisponíveis.

Na oportunidade, houve conclusão do julgamento do Tema 1.046 de Repercussão Geral, restando fixada a seguinte tese de observância obrigatória por todos os órgãos do Poder Judiciário:

São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.

Com base nisso, passou-se a discutir com maior intensidade sobre a possibilidade de a norma coletiva prever o enquadramento do grau do adicional de insalubridade para a categoria por ela abrangida nos percentuais previstos em lei (10%, 20% ou 40%), em especial porque a Reforma Trabalhista de 2017 inseriu à CLT um dispositivo que prevê tal possibilidade (art. 611-A, XII, da CLT):

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho, observados os incisos III e VI do caput do art. 8o da Constituição, têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

[…]

XII – enquadramento do grau de insalubridade;

Em regra geral, quando o trabalhador ingressa com uma ação trabalhista buscando o recebimento de adicional de insalubridade, deve requerer ao juiz da causa a realização de perícia técnica no ambiente de trabalho, que será realizada por um perito nomeado pelo magistrado, a fim de que seja avaliado se o ambiente é de fato insalubre, qual o seu enquadramento (10%, 20% ou 40%), bem como se os EPI’s fornecidos foram capazes de neutralizar os agentes insalutíferos.

Entretanto, a atual jurisprudência do STF, apoiada na tese de repercussão geral do Tema 1.046, caminha no sentido de reconhecer a prevalência do grau de insalubridade previsto na norma coletiva em detrimento daquele eventualmente verificado na ação judicial por meio de perícia técnica.

Exemplo disso é o recente precedente oriundo de julgado do Supremo Tribunal Federal (ARE 1.482.761 Santa Catarina), cuja decisão foi publicada em 13/06/2024, redigida pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, ratificando a conclusão quanto à possibilidade de negociação coletiva para enquadramento do grau de insalubridade, em observância às diretrizes fixadas no julgamento do Tema 1.046.

Ao julgar o Recurso Extraordinário, concluiu o Ministro Gilmar Mendes que o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, ao determinar o pagamento ao trabalhador do adicional de insalubridade em grau máximo (40%), com base no laudo pericial produzido nos autos daquele processo, mesmo havendo cláusula de acordo coletivo que previa o pagamento do adicional de insalubridade em grau médio (20%), não observou o contido no Tema 1.046, que autoriza a flexibilização de direitos trabalhistas, via negociação coletiva.

À toda evidência, a atual jurisprudência do STF se consolidou em direção à ideia de que as negociações coletivas devem ser respeitadas como instrumento essencial à regulação das relações de trabalho e ao alcance do interesse coletivo das partes, trabalhadores e empresas.

Portanto, embora a questão ainda não esteja plenamente pacificada no âmbito da Justiça do Trabalho, tem-se que a jurisprudência está sendo construída sim, no sentido de ser possível o enquadramento do grau de insalubridade via norma coletiva, o que atende ao espírito idealizado pelo legislador com o advento da Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista).

 

* Por José Ricardo Guertzenstein e Victor Gallo.

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