Gerenciar saúde mental no ambiente de trabalho garante segurança jurídica

Juristas e profissionais da saúde trouxeram boas práticas para empresas em evento da Abagge Advogados

Em todo o mundo, o custo anual decorrente dos transtornos mentais é de US$ 5 trilhões, incluindo acidentes de trabalho e tratamentos. Para as empresas, isso equivale a um gasto médio de 6% da folha de pagamento, seja devido à queda de produtividade, alto turnover de funcionários e absenteísmo. São números que revelam a importância do gerenciamento da saúde mental, tema que reuniu empresários e profissionais de recursos humanos nesta sexta-feira (14), em Curitiba.

O evento, promovido pela Abagge Advogados, abordou a saúde mental no trabalho e os impactos da nova regulamentação NR-01, que entra em vigor em maio de 2025 no Brasil. A legislação inclui aspectos psicossociais do gerenciamento de riscos ocupacionais, que devem integrar os departamentos de recursos humanos, engenharia de segurança e saúde do trabalhador.

“A principal mudança trazida pela NR-01 é resolver o problema do adoecimento mental do trabalhador na origem, e não tratar do tema somente após o fim da relação trabalhista”, ponderou a advogada da Abagge, Patrícia Corrêa Gobbi. “Isso só é possível quando você investe numa melhor gestão, qualifica o trabalhador, identifica riscos, monitora, acompanha o tratamento e dá o devido atendimento ao trabalhador.”

Para os juristas presentes, a nova lei deve ser vista como chance de melhorar o ambiente de trabalho, não um custo a mais. “Trata-se de uma grande oportunidade de criar um ambiente mais saudável e feliz, e é isso que buscamos, seja na advocacia, na medicina ou na Justiça do Trabalho”, resumiu o advogado Luiz Antônio Abagge.

Medicina do estilo de vida

A palestra inicial foi apresentada pelo professor Wagner F. Gattaz, chairman da Gattaz Health e professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, que trouxe dados impactantes sobre a prevalência de transtornos mentais entre trabalhadores brasileiros. Um estudo epidemiológico feito com 40 empresas encontrou um aumento da depressão, sendo 13% dos casos em nível de alta gravidade, com 9% de casos de uso abusivo do álcool, especialmente durante a pandemia.

Após a inclusão do burnout no código de classificação internacional de doenças do trabalho, em 2022, o tema da saúde mental passou a receber muito mais atenção, sendo que 1 a cada 5 trabalhadores tem o transtorno com necessidade de tratamento.

O estigma negativo associado à depressão causa com frequência o abandono do tratamento, e uma das formas de combate é o “letramento”, ou seja, a conscientização e aprendizado sobre a doença mental. Irritação, queda de energia, dificuldade de concentração, insônia e dores pelo corpo são queixas do quadro depressivo, que está por trás de 87% dos casos de suicídio.

“O papel do empregador é mapear os riscos ambientais de sua empresa, realizar o treinamento para manejo das situações de sobrecarga emocional e ofertar medidas preventivas, baseadas na medicina do estilo de vida”, sugere Gattaz.

Ele lembra que, a cada 1 dólar investido em saúde mental, a economia recebe um retorno de 5 dólares. Por outro lado, casos de depressão quadruplicam os custos de doenças como diabetes, pois é comum que haja a interrupção do tratamento, aumentando a sinistralidade.

Riscos e formas de apoio

A psicóloga do trabalho Miryam Mazieiro, diretora da Gattaz Health, trouxe um esclarecimento sobre quais são os fatores psicossociais no trabalho, sejam eles externos ao trabalho, relativos ao indivíduo ou ao ambiente de trabalho. “O ambiente de trabalho pode proporcionar o desenvolvimento da criatividade e inteligência, e a comunicação pode ser protetiva ou um risco, dependendo de como é realizada”, alerta. Outros riscos incluem horas excessivas de trabalho, turnos alternados e falta de apoio social.
“O grande pulo do gato da NR-01 é permitir diagnosticar os fatores de adoecimento em cada empresa, e buscar maior produtividade e bem-estar”, afirma Miryam.

Isso pode ser feito usando questionários que comparam o ambiente de trabalho, o ritmo das tarefas, demandas cognitivas e conflitos entre casa e trabalho. “Fatores que podem ser de risco também podem ser transformados em fatores de proteção”, conta a psicóloga. “Temos uma cultura de dar feedback apenas negativo. Mas ter orgulho da empresa é um fator de proteção da saúde mental.”

Ela lembra que as normas regulamentadoras requerem esforços da iniciativa privada, governos e do próprio trabalhador. “As empresas devem se adaptar e promover uma cultura que atraia talentos.”

A NR-01 pede o levantamento dos riscos psicossociais e classificação quanto à severidade e probabilidade de adoecimentos. Depois, que a empresa aponte ações para corrigir ou minimizar riscos, monitorar o processo, e incluir o trabalhador nessa jornada.

Podemos pensar numa epidemia de doenças mentais no trabalho, se olharmos os dados: em 2022, foram cerca de 209 mil afastamentos no Brasil; o que subiu para 288 mil em 2023 e 472 mil afastamentos por transtorno mental em 2024, ou seja, uma alta de 68%.

A melhor forma de abordar esse quadro, de acordo com Miryam, é trabalhar com a informação, pois o diagnóstico dos problemas e seu mapeamento requerem a inclusão do trabalhador, com informantes-chave, grupos focais, visitas técnicas, sempre com objetivos claros. “É preciso criar medidas preventivas e corretivas, com um cronograma de ação e depois medir se tudo foi eficaz. Realizar mentorias, capacitar o trabalhador com inteligência emocional, prover atendimento psicológico e psiquiátrico”, lembra Miryam.

Mesa-redonda

O evento proporcionou aos participantes ainda um diálogo entre diferentes operadores jurídicos do trabalho, com uma mesa redonda e perguntas do público via chat, mediadas pela advogada Maria Vitória Abagge, que realizou as devidas conexões temáticas.

O desembargador Célio Horst Waldraff, presidente do TRT da 9ª Região, juiz do trabalho há 33 anos e também professor de direito processual do trabalho, alertou que a tônica do tema deve ser a prevenção, o compliance e a sustentabilidade. “Há uma ideologia em torno desse tema que agrada muito o Judiciário. Porque o mais triste é ver o descumprimento, a violação das normas transformadas em ação trabalhista.”

Ele lembrou que, no início do ano, houve a divulgação do alto crescimento no número de ações trabalhistas, de 14% em 2024. “Estamos gradualmente alcançando os números anteriores à Reforma Trabalhista”, lamentou. “Tudo acaba na Justiça do Trabalho, que tem mais de 5 milhões de processos pendentes para julgamento, um sintoma de falta de saúde social. É preciso lembrar que, para as partes, trata-se de uma situação de ansiedade e estresse.”

Em sua fala, o procurador-chefe do MPT-PR, Alberto Emiliano de Oliveira Neto, acrescentou que a diferença entre gerações traz certo conflito na gestão das necessidades emocionais atualmente. “Esse contexto repercute no tema, pois a NR-01 vem para tentar direcionar certos comportamentos em prol da gestão da saúde mental de todos.”

O MPT tem preocupação efetiva com essa temática, com destaque para a bandeira do meio ambiente do trabalho, que tem relação direta com a saúde mental – e questões de formalização do trabalho, com a necessidade de se combater fraudes. “Certas modalidades contratuais precárias repercutem na saúde do trabalhador. O regime previsto na CLT garante jornada mínima, remuneração digna – mas hoje temos que lidar com as novas formas de contratação prevalecentes, como terceirização, pejotização, em que não há mecanismos de proteção próprios da relação de emprego.”

Cobrança de metas e saúde mental

O debate trouxe a questão da cobrança de metas e do assédio moral no contexto da saúde mental. Wagner Gattaz apontou que foram encontradas coincidências de diagnóstico de depressão e queixas de assédio moral – mas o que vem antes?, ele questiona. Sobre a cobrança de metas, ele lembrou que existem grupos profissionais como juristas e bancários com altos índices de burnout, e que as metas não têm o mesmo efeito em todo tipo de pessoa, pois nem todos desenvolvem quadro de ansiedade.

Miryam acrescentou que as metas são subjetivas – o empregador geralmente coloca a meta de acordo com aquele que produz mais, o que remete ao contexto do taylorismo, que buscou eliminar a subjetividade do trabalho, algo impossível.

O desembargador Célio Horst Waldraff apontou ainda para a cobrança de metas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), gerando grande pressão no próprio Judiciário.

“Isso vira uma bola de neve sobre nós advogados, com prazos mais exíguos”, concordou Luiz Antônio Abagge. O volume de notificações é muito alto, mesmo em nosso escritório, em que a advocacia é de qualidade e preventiva. Mas os juristas são as pessoas mais expostas ao estresse, e gostaria de registrar que a sustentação oral virtual desejada pelo CNJ é um martírio.”

Estiveram presentes ainda ao evento Ana Carolina Zaina, desembargadora do TRT da 9ª Região; Marcus Aurelio Lopes, desembargador do TRT da 9ª Região; Leonardo Abagge Filho, procurador do MPT da 9ª Região; Renée Araújo Machado, procurador do MPT da 9ª Região; Daniel Roberto de Oliveira, Juiz Titular da 2ª VT de Araucária e Presidente da AMATRA-PR; Vanessa Karam De Chueiri Sanches, Juíza do Trabalho Titular da VT de Marechal Cândido Rondon.

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