Considerações sobre a aplicação prática da Lei n.º 14.434/2022 que instituiu o piso salarial nacional dos profissionais de enfermagem para os empregados celetistas

Abagge Advogados

No dia 05 de agosto de 2022 foi publicada no Diário oficial da União a Lei 14.434/2022, que altera a Lei nº 7.498/1986, para instituir o piso salarial nacional do Enfermeiro, do Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira.

A referida lei entrou em vigor na data de sua publicação e incluiu os artigos 15-A, 15-B e 15-C na Lei 7.498/1996, para determinar os pisos salariais dos profissionais da enfermagem supracitados, sejam eles celetistas, servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, ou ainda servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de suas autarquias e fundações.

De acordo com os referidos artigos, tem-se que os pisos salariais nacionais são: R$ 4.750,00 mensais para os enfermeiros; R$3.325,00 mensais para os técnicos de enfermagem (70% do valor do piso do enfermeiro); e R$2.375,00 mensais para os auxiliares de enfermagem (50% do valor do piso do enfermeiro).

Não há na nova lei menção ao limite de jornada, deixando, portanto, de estabelecer o direito à jornada reduzida. Diante disso, aplica-se a jornada normal e constitucional de 220 horas mensais (44 horas semanais).

Ressalte-se que o §1º do art. 2º estabelece que: “O piso salarial previsto na Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, entrará em vigor imediatamente, assegurada a manutenção das remunerações e dos salários vigentes superiores a ele na data de entrada em vigor desta Lei, independentemente da jornada de trabalho para a qual o profissional ou trabalhador foi admitido ou contratado” (grifamos).

A intenção de referido parágrafo é evitar a alteração contratual lesiva para aqueles profissionais que já recebem salários superiores ao piso e, muitas vezes, com jornada reduzida. Ou seja, a adequação salarial deve respeitar o direito adquirido (valor-hora), conforme reza o artigo 468 da CLT (“Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”).

Outrossim, interpretando-se a regra do §1º do artigo supracitado, e pela ausência de estipulação de jornada especial, resta claro que o piso salarial nacional deve ser respeitado considerando o valor-hora para a jornada normal constitucional, a saber: valor da hora normal de R$21,59 para os enfermeiros; de R$15,11 para os técnicos de enfermagem; e de R$10,79 para os auxiliares de enfermagem.

No que se refere aos empregados celetistas, necessário observar ainda a existência de piso salarial normativo, conforme as convenções coletivas das categorias.

Em Curitiba e Região Metropolitana, por exemplo, aplica-se a Convenção Coletiva de Trabalho firmada entre SINDESC (SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTAB.DE SERVICOS DE S. CTBA), SINDIPAR (SINDICATO DOS HOSPITAIS E ESTABELECIMENTOS DE SERVICOS DE SAUDE DO PARANA) e a respectiva federação (FEDERACAO DOS HOSPITAIS E ESTABELECIMENTOS DE SERVICOS DE SAUDE NO ESTADO DO PARANA.

Referida norma coletiva (CCT 2022-2023), prevê na cláusula 3ª, alíneas “E”, “F” e “G”, os seguintes pisos salariais vigentes a partir de maio de 2022: R$ 1.718,00 mensais para os Auxiliares de Enfermagem; R$ 1.870,00 mensais para os Técnicos de Enfermagem; e R$ 3.116,00 mensais para os Enfermeiros, sendo que para todos é garantido o direito de jornada reduzida de 36 horas semanais, aplicando-se o divisor 180.

Desta forma, os valores-hora garantidos pela CCT aplicável a categoria de enfermagem supracitada são os seguintes: R$17,31 para os enfermeiros; de R$10,39 para os técnicos de enfermagem; e de R$9,54 para os auxiliares de enfermagem.

Como se vê, há um conflito de normas sobre o mesmo tema, a ser resolvido pelas regras de hermenêutica jurídica.

Nessa seara, cumpre informar que o §2º do art. 2º da Lei 14.434/2022 assim dispõe: “§ 2º Os acordos individuais e os acordos, contratos e convenções coletivas respeitarão o piso salarial previsto na Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, considerada ilegal e ilícita a sua desconsideração ou supressão.” (grifamos).

Ou seja, a nova legislação exige observância, pelos acordos individuais, contratos de trabalho, e normas coletivas, ao piso salarial nacional legal.

Com efeito, o sistema jurídico brasileiro estabelece a existência de uma hierarquia entre as fontes normativas, com a finalidade principal a análise da constitucionalidade das leis, além de resolver conflitos entre elas.

Tradicionalmente a hierarquia normativa brasileira segue os princípios de Hans Kelsen, criador da chamada “Pirâmide de Kelsen”, que escalona as normas de maior importância (no topo), para as de menor relevância (na base).

Com base nisso, tem-se a seguinte ordem de prevalência (aqui apresentada de modo resumido): 1º normas constitucionais; 2º normas infraconstitucionais; 3º normas infralegais.

A Lei 14.434/2022 é uma lei ordinária federal de natureza infraconstitucional, enquanto que as convenções coletivas de trabalho têm natureza infralegal, colocando-as, portanto, na base da pirâmide.

Sendo assim, inicialmente se conclui estar correta a previsão de ilegalidade do §2º, art. 2º da Lei 14.434/2022, ficando vedada a pactuação, por norma coletiva, de piso salarial inferior ao previsto em lei federal.

Ocorre que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), prevê em seu art. 611-A que “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; (…) V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;” (grifamos).

Não há no art. 611-A da CLT nenhuma previsão específica e expressa sobre a estipulação de pisos salariais.

O art. 611-B da CLT, de outro lado, veda a redução ou supressão de direitos, por meio de negociação coletiva, no que se refere aos seguintes temas, entre outros: “IV – salário mínimo; V – valor nominal do décimo terceiro salário; VI – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VII – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;”.

Da mesma forma, não há no art. 611-B da CLT vedação expressa sobre a estipulação de pisos salariais.

Interessante notar que a CLT, muito embora não tenha a natureza jurídica de “código trabalhista”, contém toda a base para o sistema jurídico trabalhista, haja vista ser composta da união das leis que tratam do direito do trabalho subordinado (relações de emprego e outras na CLT expressamente consideradas).

Posto isso, a CLT deve ser encarada como norma geral base que serve de interpretação e norte para as demais normas trabalhistas de mesma ou inferior hierarquia.

Destarte, ao prever que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho terão prevalência sobre a Lei, a CLT estabelece uma regra geral que não pode ser afastada, exceto por norma de hierarquia superior.

A Constituição Federal, por sua vez, corroborando com tal regra, prevê, dentre o rol de princípios fundamentais trabalhistas, o direito ao “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;” (art. 7º, inciso XXVI).

Todavia, são também direitos fundamentais do trabalhador o “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho” (art. 7º, inciso V); e a “proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa” (art. 7º, inciso X).

Esta última garantia constitucional segue, inclusive, repetida entre as vedações do art. 611-B da CLT.

Com base em todo o exposto, é forçoso concluir que, de fato, o piso salarial instituído por lei terá prevalência sobre as normas coletivas, as quais não podem pactuar piso salarial inferior ao previsto na Lei 14.434/2022, cuja norma busca fundamento de validade na garantia constitucional do art. 7º, inciso V.

Posto isso, os empregadores devem observar, a partir da vigência da nova lei, os pisos salariais estabelecidos aos profissionais da enfermagem e parteiras, devendo ser respeitado o valor-hora para respectivos empregados, contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conforme art. 15-A da Lei 7498/1986.

Da mesma forma, devem ser observadas as normas coletivas vigentes para cada categoria, na base territorial respectiva, de modo que sejam também respeitados os limites de jornada e os pisos salariais normativos, sempre à luz das normas trabalhistas que vedam a redução salarial e a alteração contratual lesiva.

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